Mariana Leitão: “É preciso avançarmos no sentido de uma verdadeira flexibilização do mercado de trabalho”

A nova líder da Iniciativa Liberal (IL) Mariana Leitão, discursa durante a X Convenção Nacional do partido, em Alcobaça, 19 de julho de 2025. Mariana Leitão, apelou hoje a que o partido deixe as disputas internas e vire a força “para fora”, frisando que os adversários estão no “regime instalado” e “na máquina que eterniza a estagnação”. PAULO CUNHA/LUSA
Seis anos depois de ter entrado para a Iniciativa Liberal, Mariana Leitão torna-se líder do partido, sucedendo a Rui Rocha numa disputa interna sem adversários. Quer um partido “revigorado”, sem diminuir em nada o papel dos anteriores líderes, e promete continuar a “desafiar o sistema”, mas à sua maneira, afirma em entrevista ao Jornal Económico (JE). Sobre as alterações à lei do trabalho, diz que a reforma laboral “tem de ser muito mais abrangente do que as alterações pontuais que o Governo está a propor”. Na parentalidade, critica a “visão ultrapassada do papel do Estado na vida dos cidadãos” e opõe-se ao corte de direitos assente “numa lógica de desconfiança generalizada e de controlo burocrático”, sobretudo num país que enfrenta uma “crise demográfica profunda”.
De que forma pretende demarcar-se de Rui Rocha e dos restantes antigos líderes da IL?
Todos os presidentes da Iniciativa Liberal tiveram relevância e foram muito importantes nos momentos em que estiveram à frente do partido. Agora, eu quero é trazer o meu cunho pessoal e dinâmica à Iniciativa Liberal, mais de acordo com as minhas ideias, a minha visão.
Disse, aquando da sua eleição, que a IL nasceu para “desafiar o sistema”. Considera que o tem feito? De que forma é que a Mariana vai desafiar o sistema? Considero que o partido tem feito isso [desafiar o sistema], tem lutado intransigentemente em alguns temas muito relevantes, tem posto alguns temas na agenda política que antes não eram muito discutidos e agora não há partido que não fale neles, como por exemplo a necessidade de baixar impostos, a própria reforma do Estado. Portanto, continuaremos dessa forma a desafiar o sistema, no sentido de tentarmos garantir que as coisas não se mantém na mesma e que há as reformas suficientes para fazer o país avançar nas várias áreas.
Os partidos, infelizmente, estão muito conformados com o sistema, não têm muita vontade de mudar estruturalmente as coisas que estão mal e nós temos essa vontade e as ideias
Ao contrário das expectativas que se foram alimentando, a IL não cresceu o suficiente para vir a fazer parte do Governo de Luís Montenegro. A Mariana Leitão poderia ser ministra de que pasta? (…) Dito de outra forma, em que pasta poderia fazer diferença? Na reforma do Estado, por exemplo? Vê-se nesse papel? Nós não estamos em nenhuma circunstância sequer que implique coligações ao nível governativo. Portanto, neste momento o meu foco é garantir que os próximos desafios eleitorais são desafios com sucesso, nomeadamente as autárquicas.
A aproximação entre PSD e Chega incomoda a IL? Não é uma questão de incomodo, Luís Montenegro e o PSD vincou várias vezes que o não é não, mas pelos vistos o não é não em algumas matérias foi caindo. Não é uma questão de incómodo. Esta é uma questão do impacto que essas aproximações pode ter para o país.
Nós nunca tivemos uma postura de antagonizar propostas de quem quer que fosse só porque vêm de uma sitio ou de outro. A nossa postura sempre foi construtiva no sentido de propostas que são válidas têm impacto no país e vão ao encontro daquilo que a IL acha que é necessário para melhorar a vida das pessoas, nós votamos favoravelmente. Se não são, votamos contra.
Em relação a essa aproximação a postura é a mesma. Se a aproximação trouxer resultados positivos para o país é uma coisa. Agora, aqui a questão é que o Chega não dá confiança que de facto seja um partido que se possa confiar, que no fim do dia tenha as soluções necessárias para o país ou que tenham interesse dos portugueses como grande preocupação. Em muitas coisas é incongruente, muitas vezes as propostas ou são mal feitas ou o objetivo nós não concordamos, não validamos.
Qual o objetivo para as autárquicas?
Neste momento o objetivo é crescer, é termos mais eleitos, é conseguirmos ter uma implementação no território. Nós em 2021 tivemos um resultado muito interessante nas autárquicas, este ano queremos aumentar o número de eleitos e também o sítio onde elegemos.
Vamos ter mais candidaturas do que tivemos em 2021, em muitos mais sítios do país. Isso por si só é um sinal e estamos confiantes em ter um bom resultado um pouco por todo o país e conseguir ter várias pessoas eleitas para começarem a fazer essa transformação que é fundamental, seja nas assembleias de freguesia ou até mesmo nas vereações.
Como avalia a postura deste Governo perante a lei dos estrangeiros?
Há de facto aqui uma questão que tem de ser resolvida ao nível da imigração, do combate à imigração ilegal. Precisamos de uma imigração regulada e ao mesmo tempo que garanta integração das pessoas.
Agora, a forma como este processo foi gerido por este Governo com enorme desrespeito para com a Assembleia da Republica, para com os partidos na Assembleia da República. É algo obviamente com a qual não concordamos e que colocou em causa a celeridade que se pretendia.
Se o Governo tivesse feito as coisas tendo em conta a consideração os tempos necessários para a Assembleia da República pedir os pareceres necessários para leis deste género, para ouvir entidades que são fundamentais ouvir, que houvesse um processo de especialidade que incluísse a discussão e a análise de propostas de alteração
Assim, provavelmente a lei não teria os problemas levantados pelo senhor Presidente da República, que levou a que a lei fosse enviada para o Tribunal Constitucional.
A IL está totalmente alinhada com o Governo no que diz respeito à reforma da legislação laboral ou há algum ponto do qual discordam em absoluto? Daquilo que já é possível perceber, é óbvio que algumas questões precisam ser melhoradas. A reforma laboral, na nossa opinião tem de ser muito mais abrangente do que as alterações pontuais que o Governo está a propor. É preciso, de facto, adaptar o Código do Trabalho à realidade em que vivemos. Estamos em pleno século XXI, em 2025, e ainda temos leis que regem a forma de organização, a forma do trabalho, como ele funciona que remonta aos anos 80, altura em que as dinâmicas laborais eram um pouco diferentes das de hoje em dia
Portanto, é obvio que estas alterações pontuais não vão resolver os problemas de facto em que é preciso avançarmos no sentido de uma verdadeira flexibilização do mercado de trabalho. Vamos apresentar propostas nesse sentido.
Onde é que o Governo devia ir mais longe nesta reforma e que propostas vai a IL levar a jogo? A IL tem uma visão diferente e um caminho alternativo. Defendemos um Código do Trabalho mais livre, mais adaptável, mais justo, que permita liberdade contratual real, com modelos de trabalho ajustados à vida das pessoas e à realidade das empresas; que reconheça e valorize todas as formas legítimas de trabalhar, incluindo trabalho independente, remoto ou por projeto; que reforce direitos parentais exercidos com responsabilidade, sem entraves administrativos absurdos. Se queremos inverter a tendência demográfica, reter talento e criar um país onde vale a pena viver e investir, temos de libertar tempo, devolver dignidade às escolhas familiares e confiar nos cidadãos. Portugal não precisa de mais controlo, precisa de mais liberdade.
De forma mais especifica, quais as medidas necessárias para que se avance com uma verdadeira flexibilização do mercado de trabalho? O anteprojeto de reforma laboral apresentado pelo Governo continua preso a uma visão antiquada do trabalho: burocrática, desconfiada e hostil à liberdade contratual. Em vez de adaptar Portugal ao novo mundo do trabalho, persiste na rigidez e na imposição, tratando empregadores como suspeitos e trabalhadores como incapazes de decidir por si.
O que a Iniciativa Liberal propõe é uma reforma profunda da legislação laboral. Para reforçar a liberdade contratual, a Iniciativa Liberal defende o fim da imposição administrativa de convenções coletivas a trabalhadores que nunca as subscreveram. Cada pessoa deve poder negociar as suas condições com autonomia e transparência ou beneficiar de um vínculo sindical se assim entender.
É necessário rever o regime de despedimentos, para que seja mais claro, previsível e menos litigioso – protegendo direitos, mas eliminando entraves que inibem a contratação. A estabilidade não se garante com rigidez, garante-se com regras justas e confiança mútua. Para isso, a Iniciativa Liberal pretende devolver liberdade e mobilidade aos trabalhadores, reduzindo para metade o prazo de aviso prévio quando estes decidem rescindir contrato. Ninguém deve ser forçado a permanecer onde já não quer estar, muito menos por prazos desproporcionais que travam a sua progressão profissional.
Entendemos ainda que a proteção laboral não deve estar centrada na preservação artificial de postos de trabalho, mas na capacidade de cada pessoa se adaptar, evoluir e criar o seu próprio percurso. A criação de contas individuais de formação que acompanhem cada trabalhador ao longo da vida e lhe permitam investir na sua requalificação, transição ou promoção é um dos caminhos para o reforço da autonomia dos trabalhadores.
Por outro lado, a imposição de vínculos forçados, como os que o Governo continua a manter para os trabalhadores de plataformas digitais, vai contra a natureza deste mercado de trabalho. Ainda que a União Europeia determine a existência da presunção de contrato de trabalho nalguns casos, a IL considera que o Governo vai mais longe do que o necessário. A Iniciativa Liberal proporá em alternativa, um estatuto voluntário e mais flexível, que garanta proteção social proporcional sem sufocar a inovação.
Finalmente, a IL propõe um sistema fiscal e contributivo neutro, simples e que não penalize quem cria, quem emprega ou quem escolhe trabalhar de forma independente. O Estado não deve ditar ou favorecer modos de trabalho. Deve sim, garantir que todos têm condições reais para escolher: formação acessível, mobilidade facilitada e proteção justa. Portugal não pode continuar amarrado a um modelo laboral do século XX. Precisamos de mais liberdade, mais responsabilidade e mais mérito no mercado de trabalho.
Como olha para as propostas do Governo no capítulo da parentalidade? Portugal atravessa uma crise demográfica profunda. Num país onde cada vez menos famílias decidem ter filhos, seria expectável que o Estado promovesse condições de confiança, flexibilidade e respeito para quem escolhe conjugar trabalho com parentalidade. Infelizmente, o Governo responde na direção errada: corta direitos, aumenta burocracia e dificulta a vida de quem trabalha e cuida da família.
Propõe limitar o direito à dispensa para amamentação até aos dois anos da criança, exigindo atestados médicos desde o primeiro dia e com renovações semestrais. Elimina esse direito para mães com contratos de menos de 4 horas diárias. Revoga os três dias pagos de luto gestacional, remetendo os pais para faltas não remuneradas. E acaba com o direito automático a horário flexível para famílias com filhos até 12 anos, sujeitando-o à autorização do empregador.
Estas medidas assentam numa lógica de desconfiança generalizada e de controlo burocrático, que aplica uma punição coletiva a todas as famílias. É uma visão ultrapassada do papel do Estado na vida dos cidadãos, uma visão que considera a excepção mais importante que a regra e que impõe barreiras indiscriminadas para travar eventuais abusos.
A Iniciativa Liberal considera inaceitável que se legisle contra todos com base no comportamento de alguns. Este governo sendo incapaz de fiscalizar os eventuais abusos de uma pequena minoria decide aplicar uma punição generalizada a todas as mães. Na sua incapacidade para uma reforma séria do Código do Trabalho o governo decide investir em manobras de comunicação e ataca quem está mais frágil.
Relativamente ao novo governador do Banco de Portugal, Álvaro Santos Pereira não foi eleito como a IL defende, por concurso público. Parece-lhe, ainda assim, que foi bem escolhido para o cargo?
Não pomos em causa do currículo de Álvaro Santos Pereira, parece-nos ser uma pessoa com um currículo irrepreensível e portanto terá todas as condições para ser Governador do Banco de Portugal.
Preocupa-nos o princípio pelo qual estes cargos são nomeados, é algo que concordamos que não deve ser por nomeação política. Deve ser sim, por concurso público para garantir que há uma total independência entre o poder político e o regulador.
Álvaro Santos Pereira já não está no Governo há muitos anos, portanto, não pomos em causa da sua independência ao contrário do seu antecessor que sai diretamente de ministro das Finanças para o regulador.
Mas para garantir que esta independência é à prova de qualquer tipo de suspeição o ideal é que as pessoas sejam escolhidas por concurso público.
jornaleconomico